Vemos cada vez mais fotos bonitas nas mídias sociais com a legenda gratidão, mas afinal, o que é gratidão? Às vezes é uma paisagem de cortar a respiração, outras é simplesmente uma mulher de biquíni. Será que isto equivale a praticar a gratidão? Estaremos genuinamente a sentir-nos gratos quando partilhamos uma fotografia que simbolize um momento feliz?
Na maior parte do tempo isso não corresponde à verdade. Na prática, quase todas as publicações deste gênero se encaixam naquilo a que se pode chamar gratidão teórica ou superficial.
Gratidão Teórica
A gratidão teórica corresponde a todas as situações em que utilizamos a palavra sem “mergulhar” verdadeiramente no sentimento. Até podemos reconhecer, por instantes, que aquele foi um momento positivo, podemos sentir-nos felizes, mas isso não significa que estejamos capazes de o valorizar na medida certa.
Este tipo de gratidão é observável nas redes sociais, nos e-mails e SMS.
Quando escrevemos “Obrigado” ou “Agradeço a sua mensagem”, nem sempre estamos a atribuir real valor ao gesto da outra pessoa.
Limitamo-nos a utilizar palavras que aparentam gratidão – por cordialidade, simpatia ou simplesmente por estarmos em “piloto automático”. Até há quem escreva “Grato/ Grata” em quase todos os e-mails, sem que isso implique que o sentimento genuíno esteja patente.
Gratidão passiva
A gratidão passiva acontece em momentos pontuais e normalmente intensos, como a concretização de uma promoção profissional, o início de um relacionamento amoroso, o nascimento de um filho ou a passagem num exame para o qual nos esforçamos muito.
Neste caso, há sempre emoções positivas, há muita atenção ao momento presente, há o reconhecimento do esforço necessário para atingir aquele objetivo e costumam existir planos concretos para o futuro. Nestes momentos, sentimo-nos genuinamente gratos e isso promove o nosso bem-estar.
O problema é que estes são momentos que acontecem de forma esporádica, pelo que o sentimento, e a respectiva sensação de bem-estar, tende a dissipar-se muito rapidamente.
Gratidão ativa
A gratidão ativa implica que nos esforcemos diariamente para encontrar motivos pelos quais possamos sentir-nos gratos. Implica que prestemos genuinamente atenção ao momento presente e que reconheçamos o valor dos gestos, das pessoas e das relações que fazem parte da nossa vida. Claro que isso requer prática e disciplina.
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Quais são os efeitos da prática da gratidão?
Quando trazemos a prática da gratidão para a nossa rotina, sentimo-nos mais próximos, mais empáticos e mais calorosos das pessoas que nos rodeiam.
Prestamos mais atenção às necessidades das pessoas de quem gostamos, sentimo-nos mais relaxados e mais capazes de gerir as nossas emoções, o nosso sono melhora, o nosso sistema imunológico melhora, sentimo-nos mais motivados para a prática de exercício físico.
A gratidão vai além de um simples pensamento positivo; ela envolve mecanismos complexos do cérebro e da psicologia que promovem o bem-estar. Reconhecer o que há de bom na vida e perceber que sua origem muitas vezes está fora de nós mesmos é uma prática poderosa que pode transformar nossas vidas.
Seja nas outras pessoas, na natureza, ou em uma força maior, dependendo de suas crenças individuais, a gratidão pode ser uma ferramenta poderosa para melhorar o bem-estar.
Antes celebrada em tradições filosóficas e religiosas, a gratidão agora ganhou destaque na pesquisa psicológica e neuropsicológica por seu profundo impacto na saúde mental. Do ponto de vista da neuropsicologia, a prática da gratidão engaja e transforma várias funções e processos cerebrais, tornando-se indispensável para o bem-estar diário.
Redução do Estresse e Ansiedade
A prática da gratidão tem mostrado reduzir significativamente os níveis de estresse e ansiedade. Práticas de gratidão ativam o sistema nervoso parassimpático, SNP, responsável pelas funções de “descansar e digerir” do corpo.
Essa ativação leva a uma sensação de relaxamento, reduzindo marcadores de estresse como os níveis de cortisol. Esse relaxamento apoia a saúde mental e física ao favorecer funções corporais como a digestão, resposta imune e sono.
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Como é que se pratica a gratidão?
Diário de gratidão
A forma mais fácil, e sólida de praticar a gratidão é através do “Diário de gratidão”. Este exercício convida-nos a parar todos os dias com a intenção de identificar pelo menos 3 coisas positivas pelas quais nós possamos sentir gratos.
É fundamental parar para escrever, de preferência, à mão, não basta “pensar no assunto”. A ideia não é anotar todos os dias acontecimentos extraordinários, mas sim ser capaz de identificar coisas simples e explicar por que aconteceram e porque é que nos sentimos gratos.
Por exemplo, podemos escrever que nos sentimos gratos por termos ido ao nosso restaurante preferido. Isso aconteceu porque temos trabalho e temos dinheiro que nos permite fazê-lo. Valorizar estes “luxos”, em vez de os tomarmos como garantidos, ajuda-nos a promover o nosso bem-estar.
Também podemos agradecer o facto de o(a) nosso(a) companheiro(a) ter lavado a louça na nossa vez e reconhecer que isso aconteceu porque ele(a) se preocupa conosco e valorizou o nosso apelo num dia em que nos sentíamos mais cansados.
A ciência mostra-nos resultados impressionantes associados a esta prática. É possível observar mudanças no nosso bem-estar emocional ao fim de apenas um mês de prática regular.
Cartas de gratidão
Outra forma de cultivar a gratidão consiste na elaboração de cartas de gratidão. Portanto, esta é uma maneira de pararmos para agradecer um gesto, ou um conjunto de gestos, de alguém a quem sintamos que ainda não agradecemos na medida certa. É evidente que é uma forma de retribuição e, em função disso, é natural que façamos a outra pessoa feliz, mas aquilo que também é possível observar é que estas cartas promovem o bem-estar de quem as escreve com autenticidade, isto é, “mergulhando” genuinamente no sentimento de gratidão.
Dizer “Obrigado”
Dizer “Obrigado” com atenção plena ao momento presente, isto é, valorizando de forma genuína o gesto de determinada pessoa, é outra forma de alargar a prática da gratidão.
O lado positivo
Finalmente, também é possível treinar a gratidão procurando ativamente o lado positivo de cada episódio da nossa vida. Por exemplo, se nos sentirmos “inundados” em trabalho, com e-mails e mais e-mails para responder, podemos lembrar-nos de que nos sentimos genuinamente gratos por termos trabalho e por tudo o que isso nos proporciona.
Não é fácil encontrar sempre o lado positivo de cada acontecimento. Especialmente nas alturas em que nos sentimos esmagados pela tristeza, pela raiva ou pelo medo. É por isso que é preciso praticar de forma ativa. Quando nos habituamos a fazê-lo, reparamos que tudo na vida nos pode trazer aprendizagens e motivos pelos quais nos sintamos gratos, mesmo os momentos mais difíceis.